Cobrador de ônibus transforma sua paixão por livros em projeto de incentivo à leitura
Desde 2003, Antônio da Conceição emprestava livros a passageiros da linha 82, de Sobradinho 2. Sua obstinação inspirou a criação do Aqui na Estação, que inclui sala de leitura na Rodoviária e minibibliotecas em ônibus
Antônio da Conceição Ferreira, 44 anos, é a prova de que a educação muda e move o mundo. Nasceu em Santa Luzia do Tide, no Maranhão, filho de agricultores. As limitações impostas pelo meio em que vivia, porém, não o impediram de ir à escola. O estudo fez com que ele se encantasse com a leitura, mesmo sem incentivo nos grupos escolares por onde passou.
MAIS SOBRE O ASSUNTO
No Dia Nacional do Livro, Rodoviária do Plano Piloto ganha sala de leitura
Em 2000, já morando em Brasília, começou a trabalhar como cobrador numa empresa de ônibus. Três anos depois, a paixão pela literatura passou a acompanhá-lo no Circular da Linha 82, de Sobradinho 2. “Eu deixava um livro em cima do caixa. De um exemplar, a ideia cresceu e passei a carregar uma caixa debaixo do banco. Depois, criei uma estante de plástico. Assim, eu podia ler e incentivar as pessoas a lerem também”, conta o cobrador, que se tornou o Antônio do Livro.
A primeira obra que estimulou Antônio a criar o projeto Cultura no Ônibus foi “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. “A narrativa me sensibilizou. A situação que aqueles meninos viviam na década de 1930, infelizmente, é a mesma de muitos garotos de hoje em dia”, conta. “Percebi que a educação e a cultura podem evitar que os jovens sigam determinados caminhos. Li o livro e passei a estimular o meu filho, Mateus Lopes, hoje com 15 anos, a ler mais também”.
Além de “Capitães da Areia”, ele destaca “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, e “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, como obras fundamentais. “É a literatura nos apresentando a cultura da época”, observa.
Do banco do ônibus ao banco da faculdade
A curiosidade de Antônio no uso dos pronomes relativos retomou a relação dele com a leitura. Desde a criação do projeto Cultura no Ônibus, em 2003, até hoje, o cobrador perdeu as contas de quantos livros leu. “Não interessa a quantidade, e sim a qualidade. A literatura foi o caminho que eu encontrei para aprender a usar a coerência e a criatividade nos meus textos”, diz.
Tanto esforço valeu a pena. No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2014, ele obteve 640 pontos na redação, cujo tema foi “Publicidade infantil em questão no Brasil”. “Com essa nota, pude entrar para o curso Português-Inglês no Centro Universitário Unieuro”, conta Antônio.
Nesta quinta-feira (29/10), o maranhense assistiu a mais um capítulo da história de carinho entre ele e a leitura. A sala de leitura do projeto Aqui na Estação foi inaugurada oficialmente. Durante todo o dia, atividades como contação de histórias comemoraram a abertura do espaço. Ali, mais de 2 mil livros, incluindo crônicas, contos e romances, estão disponíveis para locação por qualquer pessoa. Basta o interessado fazer um cadastro para levar o livro para casa.
Também foram instaladas minibibliotecas em 100 ônibus da Viação Piracicabana, cada uma com aproximadamente 15 livros. Os passageiros podem ler durante as viagens e levar as obras para casa. A devolução pode ser em qualquer outra linha da empresa que tenha minibiblioteca.
Foi, aliás, a paixão de Antônio que sensibilizou a direção da Piracicabana. Além de financiar a instalação das minibibliotecas e apoiar a criação do espaço na Rodoviária, a viação liberou Antônio para coordenador o projeto de leitura. Agora ele não terá mais que se dividir entre os trocos e os livros.