Cultura para Todos
Mara Puljiz
Dizem por aí que o brasileiro não gosta de ler, mas pelo Brasil afora é possível encontrar gente que prova o contrário. E não é preciso ir muito longe. No Distrito Federal, pessoas anônimas incentivam o gosto pelos livros. É o caso do cobrador de ônibus Antônio da Conceição Ferreira, 36 anos. Há apenas cinco meses, ele não apenas cobra a passagem, mas incentiva a leitura dentro do coletivo. Antônio montou em seu ambiente de trabalho uma verdadeira biblioteca itinerante e disponibiliza cerca de 40 livros para que os usuários possam ler durante toda a viagem.
A iniciativa tem dado certo. Os livros ficam pendurados em um plástico fixado ao lado da roleta. Quem passa por ela se depara com uma gama de exemplares de autores renomados como Jorge Amado, Paulo Coelho e Machado de Assis. “Não pode ser qualquer leitura, né?”, acredita ele.
Antônio trabalha por escala, em horários diferentes, na linha 82 – Núcleo Bandeirante, Metropolitana. Desde quando começou com o projeto, em agosto do ano passado, o cobrador recebeu inúmeras doações. Em casa, ele acumula mais de 6 mil exemplares entre livros literários, didáticos e de autoajuda de autores consagrados.
Para guardar tanto volume, Antônio precisou alugar um cômodo no bairro onde mora, em Sobradinho II. Com o salário de R$ 579 ele paga R$ 280 de aluguel de sua casa e R$ 120 em um quarto destinado especialmente para guardar 4 mil dos 6 mil livros.
A idéia de levar cultura para dentro do ônibus surgiu depois que ele deixou um livro em cima do caixa. “O passageiro passava olhando e comecei a observar isso”, contou. Desde quando começou com o projeto, o cobrador já emprestou cerca de 800 exemplares aos passageiros. A pessoa anota onome em uma ficha e, assim, pode levar o livro para casa, mas com o compromisso de devolução. Por enquanto, todos têm cumprido o acordo.
Aprovação
Dentro do ônibus os usuários aprovaram a atitude do cobrador. “De início parece uma idéia maluca, mas tem um significado muito importante. É o primeiro passo de uma grande obra. Se todo mundo fizesse um pouquinho o mundo seria bem melhor”, elogiou o servidor público Paulo Pereira Costa, de 60 anos.
A secretária Maria Dias, de 43 anos, também aprovou. “Quando entrei no ônibus pela primeira vez eu dei parabéns para ele. Gosto muito de ler e o tempo dentro do ônibus passa mais rápido”, destaca. Não apenas os adultos podem se distrair e acumular conhecimento. No plástico onde ficam os livros, uma parte foi reservada para as crianças, que encontram gibis com história em quadrinhos e contos infantis que chamam a atenção.
A paixão pelas letras começou quando ainda era criança. Antônio morava com os irmãos e os pais no interior do Maranhão quando passou a se interessar pela leitura. Ir para a escola era o momento mais esperado do dia. “Sempre
gostei de ler, mas meu pai não tinha condições de comprar livros e eu pedia emprestado para os outros”, relembra. Atualmente, ele se esforça para ler pelo menos um livro por semana. “Queria ter mais tempo, mas para o trabalhador isso não é fácil”, explica.
Agora, o cobrador alimenta o sonho de expandir o projeto de leitura para as demais linhas de ônibus do Distrito Federal. Se depender da força de vontade isso não vai ser problema. “Minha satisfação é essa. A pessoa lê e se enriquece com conhecimento e fico feliz quando vejo alguém lendo. Aqui é apenas o ponto de partida”, promete, com ares de sonhador. A única certeza de Antônio é a de que tem percorrido o caminho certo. “O estudo é o que vai dar uma vida melhor para a gente”, disse, como alguém que tem a sensação de dever cumprido.