Leitura Sobre Rodas
Henri Thiago Peres
O cobrador Antônio Conceição, 36 anos, está colecionando passageiros da leitura. Morador de Sobradinho II, um dia ele levou o exemplar de um livro para o ônibus em que trabalha, percebeu o interesse dos usuários em uma distração durante a viagem e descobriu que poderia quebrar a monotonia de quem faz a linha 82. Passou então a pedir doações de obras, o que resultou em um acervo de sete mil exemplares.
Resultado: transformou o coletivo em uma pequena biblioteca sobre rodas. Os livros estão divididos entre sua casa e um espaço alugado em frente. Mas viajam, de mãos em mãos, no percurso Via Metropolitana (Núcleo Bandeirante) ao Viaduto de Saan (perto do Cruzeiro). Isso porque os passageiros interessados podem levar os livros para casa e devolver quando puderem e quiserem, a custo zero. Basta que preencham uma ficha com seus nomes e os títulos das obras. O interessante é que a iniciativa dele começou em fevereiro do ano passado e só foram registrados dez casos de pessoas que não devolveram os livros.
Não há um título e estilo específicos preferidos pelo público. Em geral os passageiros analisam a espessura do livro. Quando a obra é fina, aproveitam o percurso do ônibus para devorá-la. Quando é mais grossa, levam para casa para concluir a leitura com mais tempo.
A idéia do projeto, intitulado Cultura no Ônibus, partiu do próprio Antônio, que sempre gostou de ler, mas durante a infância encontrou sérias dificuldades por ter estudado em colégio público no Maranhão. Lá ele tinha de pegar emprestado. Ele continua apreciando a leitura, mas atualmente falta-lhe tempo para se dedicar mais, o que lamenta. “Só a educação traz bons frutos para o ser humano”, filosofa o cobrador.
Capitães da Areia, de Jorge Amado, foi o pontapé inicial do projeto. Graças a uma senhora que se interessou pelo livro levado por Antônio, a idéia prosseguiu. Sua primeira doação foram de três livros e o cobrador até hoje agradece àquela senhora: “Ela me deu o incentivo necessário para prosseguir com minha idéia”, diz Antônio, que aproveita para pedir mais doações. Qualquer pessoa pode doar livros, desde que tenha interesse pelo projeto. Basta ligar para o telefone 9195-5023 e falar com o próprio Antônio.
Difundir a cultura é o maior retorno
O cobrador só deu andamento ao projeto após concluir que não conseguiria apoio de ninguém e teria de realizá-lo por conta própria. Quando experimentou a idéia e deu certo, passou a se dedicar a ela integralmente. E pretende se dedicar ainda mais, já que sua meta é fazer a idéia tomar maiores proporções gradativamente até abranger todas as linhas do transporte coletivo do Distrito Federal. Falta a Antônio, sobretudo, espaço físico. Pelo restante ele se responsabiliza. Mas não pretende pedir ao governo local algo que gere despesas. (*)
Antônio defende que o incentivo à leitura comece em casa, onde os pais devem mostrar aos filhos o que a educação pode oferecer. Para este obstinado cobrador, não basta só a escola estimular o hábito da leitura em seus alunos.
Quanto ao governo, ele sugere que crie mais espaços para leitura, como ele mesmo diz: “Se dedicar sempre mais ao investimento na educação”. Antônio é um cidadão consciente e sem interesses. Sua única meta é levar a todas as classes sociais e faixas etárias o que um dia ele tanto quis e não teve oportunidade de conseguir. “Meu maior retorno é o prazer de difundir a cultura e estimular outras pessoas a fazerem o mesmo. Graças ao meu incentivo, meu filho hoje tem muito mais prazer pela leitura”, afirma.
(*) Há aqui um mal entendido quanto a interpretação do articulista. A idéia do Projeto é “não dar despesas para empresas”. Ao Governo cabe apoiar com incentivos e recursos.